Vejam se não marcam nada na vossa agenda para daqui a três biliões de anos. Nessa altura poderemos todos assistir a um espectáculo de arromba que poderá durar pelo menos mais um ou dois biliões. Imaginem uma esplanada com vista para o Cosmos a partir da qual podemos assistir a um imenso cataclismo: a aproximação e o choque entre duas galáxias.
Mandem vir uma cerveja (para mim é uma Coca-Cola, desculpem lá a ofensa) e preparem-se para ver a nossa Via Láctea colidir com a vizinha Andrómeda.
Bebam e descontraiam. O espectáculo cósmico vai começar, mas não é para já. Primeiro vai haver uma aproximação – nada de muito extraordinário. Nem sequer temos a certeza se nesta primeira fase será um tiro de raspão (em termos astronómicos) ou passará mais longe. É preciso que os mestres da mecânica clássica calculem com absoluta precisão a velocidade transversal da galáxia Andrómeda (velocidade transversal é o movimento perpendicular a uma linha recta entre o observador e o objecto observado).
Um dado já conseguimos determinar e com toda a certeza: a velocidade radial (velocidade a que um determinado objecto se aproxima de nós) da nossa gigantesca vizinha cósmica é de 20 quilómetros por segundo. É rápido para as nossas pernas, mas nada de muito impressionante quando existe uma distância de 2,2 milhões de anos/luz a percorrer.
Mas a colisão acontecerá. E do resultado desta colisão entre a nossa Via Láctea e a Andrómeda surgirá uma nova galáxia, uma galáxia elíptica.
Que visão dos céus terá um ser humano que habite a Terra nesse futuro longínquo? Conseguirá a Humanidade sobreviver a tamanha colisão ou tudo aquilo que conhecemos e que damos como garantido será reduzido a nada?
Bem – as notícias não são boas. A não ser que tenhamos de facto tecnologia para construir o equivalente a uma esplanada no Espaço de onde possamos acompanhar tranquilamente os acontecimentos, nós já teremos desaparecido do Universo quando a colisão estiver a ocorrer.
A colisão entre as galáxias será um processo rápido em termos astronómicos, mas muito lento para os padrões humanos: um ou dois biliões de anos. Por essa altura o nosso Sol já brilhará há cinco biliões: transformações espantosas estarão a acontecer no seu interior – transformações que determinarão a sua morte.
Não se pode compreender a morte do Sol sem primeiro saber como nasceu. Imaginem o nosso Sistema Solar. Mesmo que não devorem todos os programas de astronomia que dão na televisão, têm a noção de que é muito grande. Pois multipliquem por quatro ou cinco o seu tamanho actual e terão uma ideia da dimensão da nuvem de gás e poeira que existia nesta região do Universo.
Num espaço de 50 milhões de anos, a gigantesca nuvem foi ficando cada vez mais pequena e densa até criar um núcleo com uma temperatura de 10 milhões de graus Celsius – o suficiente para iniciar reacções de fusão nuclear.
A fusão nuclear libertou radiação. A radiação acabou por gerar um vento solar fortíssimo. E o vento solar – também conhecido como ‘onda de choque’ – acabou por espalhar o gás e a poeira que tinham sobrado. Dessas poeiras e desses gases e das fantásticas colisões e agrupamentos entre a matéria que ocorrem num espaço de tempo de 100 milhões de anos, acabaram por nascer também os planetas – uns, rochosos, como o nosso; outros gasosos, como Júpiter. Uns demasiado perto do Sol, outros demasiado longe. Só um ficou à distância ideal: a Terra.
O Sol é agora a estrela tranquila que todos conhecemos: nem o tamanho nem a temperatura variam muito, o que é propício à vida. A quantidade de energia que emite para o Espaço em cada segundo – aquilo que os nossos olhos interpretam como luminosidade – tem-se mantido estável.
Tudo isso vai acabar quando as reservas de hidrogénio que se encontram no seu núcleo começarem a esgotar-se. Não havendo mais hidrogénio para queimar, não haverá mais produção de energia. Sem energia, o núcleo do Sol não conseguirá suportar o peso das camadas mais externas e sofrerá um colapso. Esse colapso provocará um enorme aumento da sua temperatura. O núcleo do Sol atingirá os 100 milhões de graus Celsius.
Na Terra, será o fim. Os oceanos evaporar-se-ão, a atmosfera escapará para o Espaço e, por fim, todo o nosso planeta se terá transformado num deserto escaldante com 700 graus de temperatura à superfície.
Mas o Sol recusa-se a morrer. Consome os últimos vestígios de hidrogénio – o que existe ainda nas camadas mais próximas do núcleo. Esta derradeira tentativa será tão violenta que as camadas externas, que tinham colapsado em direcção ao núcleo, serão empurradas para fora outra vez. O Sol começa a inchar e inicia a fase em que se transforma numa gigante vermelha.
Temos quase a certeza de que o planeta mais próximo, Mercúrio, será engolido. Mas não sabemos ainda se chegará a engolir Vénus e a Terra.
Se existissem seres humanos na Terra imunes ao calor e à radiação, e o planeta não chegasse a ser engolido pelo Sol, o céu seria, mesmo assim, aterrador. Não seria azul, mas vermelho vivo. Imaginem um Sol brilhando com uma luminosidade 2 mil vezes superior e um diâmetro 200 mil vezes maior que o actual: um observador no nosso planeta veria não um céu azul mas o equivalente a um gigantesco mar de lava. O Inferno teria finalmente conquistado os céus.
Nesta altura dá-se um acontecimento aparentemente paradoxal: a temperatura diminui. Como o Sol se torna tão grande, a superfície para onde a energia pode escapar é maior. Dos seis mil graus actuais, a temperatura da estrela desce para cerca de metade. É um Sol gigante e frio.
Esgotado o hidrogénio, começa a consumir hélio. Nesta fase torna-se ainda mais instável. O seu tamanho e luminosidade variam de forma rápida e abrupta. Acabará por perder completamente as suas camadas externas, restando apenas o núcleo – pequeno, branco, muito quente e bastante denso.
Quando também o hélio se esgotar – e não demorará mais de 100 mil anos a acontecer – o Sol já não conseguirá produzir mais energia. Deixa de brilhar – o que, para uma estrela, equivale à morte.
Quando as galáxias de Andrómeda e Via Láctea colidirem, a Terra (se não tiver sido engolida pelo Sol) será uma rocha queimada e estéril e mergulhada na escuridão. Do Sol restarão apenas as cinzas.
Agora imaginemos que evoluímos de tal forma que somos capazes de controlar o ambiente à escala do nosso Sistema Solar e impedir que o Sol morra. Sobreviveremos a uma colisão entre galáxias?
A conclusão dos cientistas é tão irónica como surpreendente: sobreviveremos nas calmas. A distância entre as estrelas é tão grande que muito dificilmente uma colisão entre galáxias provocará uma colisão entre os sóis individuais que as compõem. Só a disposição das estrelas no céu mudará – uma má notícia para a astróloga Maya, talvez, mas nada que nos faça perder o sono.
1 Ao princípio a galáxia Andrómeda aparecerá como um borrão de luz nos céus do Hemisfério Norte. Como a distância a que se encontra é enorme (2,2 milhões de anos/luz), surgirá apenas com um tamanho quatro vezes maior do que a Lua. À medida que as galáxias se aproximarem uma da outra, Andrómeda crescerá nos céus. 2 Quando as galáxias estiverem suficientemente próximas uma da outra, as noites serão esplendorosas: gigantescas nuvens de gás molecular com centenas de anos/luz serão comprimidas – milhões de estrelas nascerão destas nuvens. O céu estará coberto de aglomerações de sóis cem vezes mais brilhantes do que as aglomerações existentes actualmente nas duas galáxias.
4 Sujeitas à força de maré das duas galáxias, os astrónomos do futuro já não poderão reconhecer as constelações. O céu encontrar-se-á coberto de nuvens de pó, gás e pelo brilho de milhões de jovens estrelas. 5 Serão tão numerosas estas novas estrelas que o número de estrelas gigantes também aumentará proporcionalmente – veremos muitos fogos de artifício no céu quando estes sóis maciços se transformarem em supernovas.